segunda-feira, 18 de abril de 2011

O fim da temida crase

Utilize o texto abaixo para responder aos testes de 1 a 3.


O fim da temida crase

Finalmente estaremos livres da crase. Ela será extirpada, cancelada, deletada, ejetada, expulsa por lei. O que tranqüiliza aqueles que sofrem com a crase pois agora terão o amparo da lei. Porque o deputado João Hermannn  Neto elaborou o projeto de lei 5.154 acabando com a crase, é o que leio na revista Língua Portuguesa, que está no segundo número, mas que eu  não conhecia, deve ter ficado sufocada nas milhares de publicações que assolam as bancas. Claro que Língua fica escondida, para dar lugar a coisas como Caras, que é fundamental a (tem crase aqui?) informação, ao conhecimento, a (tem crase aqui?) sociologia e ao entendimento da mente humana.
O deputado Hermann, preocupado com o bem escrever, decidiu contribuir para a evolução da gramática, começando por extirpar a crase que tantas dores de cabeça dá. O curioso é que a luta contra a crase não partiu da Academia Brasileira de Letras, a (tem crase aqui?) quem caberia a iniciativa, porque se imagina que a ABL entre outras coisas deva cuidar da língua.
Também não partiu dos gramáticos, os homens que normalizam as questões fundamentais, permitindo que o português continue correto, íntegro, bem escrito e bem falado. Nada a ver com Maria Helena de Moura Neves ou com o Evanildo Bechara, que dedicaram suas vidas a (tem crase aqui?) nossa língua. Nem mesmo com o popular Pasquale Cipro.
Achando que eles são incompetentes, transferiu-se a tarefa da mudança gramatical para as (tem crase aqui?) Câmaras Legislativas, conhecidas popularmente como Câmaras do Cambalacho. Sabemos todos que os deputados têm a respeito deles mesmos outra imagem.
Para eles, não existe em nossas Câmaras, sejam municipais, estaduais, federais, o mínimo resquício de ignorância. Não e não! São pessoas doutas, preocupadas com as leis e o cumprimento das leis, desde que sejam os outros que as cumpram, não eles. Quando olhamos os debates, a transmissão das CPIS, os resultados das investigações, as devassas, percebemos que os deputados estão atentos as (crase?) leis, desde que não sejam atingidos por elas.
Assim como não precisam se preocupar com o caixa 2 das campanhas, porque ele continua a existir e é legal. Como não precisam se preocupar em ser honestos, porque jamais serão julgados pelos seus pares. Como sabem que serão absolvidos de tudo, e por todos os que se sentam naquelas cadeiras onde já se sentou gente da melhor estirpe, gente digna e honrada. (...)
Alguns, como Hermann Neto, estão tentando desfazer a língua portuguesa (que é desfeita em plenário todos os dias, todas as horas), começando por esta infâmia que é a crase. Martírio, agonia, tortura, padecimento, dissabor, desespero. A crase que é a principal causadora dos distúrbios que andam por aí: os sem-terra invadindo, os lucros dos bancos, a queda da bolsa, o aumento do preço do álcool, o crescente poderio dos camelôs, o trânsito congestionado, as filas no INSS, o PCC, os seqüestros-relâmpago, o caos do transporte público, a degradação do ensino, o mau atendimento dos convênios médicos. A culpa de tudo?
A existência da crase. Tão mais fácil escrever, pensar, se comunicar sem ela. Sem crase tudo fica mais simples. Dia desses, encontrei na rua um homem que se dirigia as (tem crase?) pessoas falando sem crases. Foi espantoso, mas excelente experiência, todos o entendiam. Quando falamos sem crases, o português fica claro, objetivo. De confusa, complexa, caótica e desordenada basta a vida. Simplifiquemos a linguagem, as normas.
Seria tão bom se outros deputados (apesar de atarefadíssimos, como sabemos — muito ocupados com suas defesas no valerioduto) se dedicassem a outros aspectos gramaticais. Cada um deles, e são 500 e tantos, poderia cuidar de um aspecto. Um faria um projeto contra a polissemia, outro contra as locuções conjuntivas, e teríamos uma verdadeira constituição eliminando morfemas subtrativos (ficando apenas os aditivos), paronímias, determinantes  (e por conseqüência os pré e pós-determinantes), anexos predicativos, apostos (atenção deputados, não confundir com apóstolos), orações transpostas substantivas.
Estudos rigorosos examinariam a questão dos pleonasmos, dos gerúndios, das formas rizotônicas e das metafonias. Viriam em seguida o fim do ponto de exclamação, do ponto-e-vírgula, do parênteses, do trema e da reticência e do hífen. E uma nova língua, que poderá ser denominada de Parlamentar em lugar de Portuguesa, como homenagem a esse grupo que tanto faz pelo Brasil, por nós, pela sociedade, pela moralização de usos e costumes. E se faltou alguma crase neste texto, é que estou escrevendo regido pela lei Hermann Neto.
(Ignácio de Loyola Brandão, O Estado de São Paulo, 28/04/2006)

1. A partir da leitura do texto, pode-se inferir que o autor
a) ironiza a proposta do deputado Hermann Neto, que pretende extinguir a crase.
b) defende que a legislação sobre as questões da língua não deve partir dos membros da Academia Brasileira de Letras ou dos gramáticos.
c) confessa que não sabe empregar corretamente a crase, por isso indaga ao leitor sobre a ocorrência ou não da crase.
d) propõe uma ampla reforma na língua portuguesa a fim de simplificar a norma gramatical.
e) condena explicitamente o uso da crase por considerá-la inútil do ponto de vista da comunicação.

2. Considerando seu conhecimento de mundo e as idéias veiculadas no texto, assinale a alternativa correta.
a) A proposta de eliminação da crase representa um avanço na linguagem, uma vez que já há um excesso de acentos gráficos.
b) Ao atribuir à crase a culpa pelos grandes problemas sociais do país, o cronista pretende desprezar a função exercida pelos deputados.
c) A alusão ao projeto de lei que põe fim à crase serve, meramente, como pretexto para revelar toda a indignação do cronista contra os inúmeros escândalos políticos do país.
d) O advérbio “não”, em “Não e não!” (no quinto parágrafo), é usado de maneira enfática, sem a carga semântica negativa que o caracteriza.
e) Em "Claro que Língua fica escondida, para dar lugar a coisas como Caras" (na introdução), o autor sugere que a sociedade brasileira não valoriza a cultura.

3. Em diversas passagens da crônica. Ignácio de Loyola Brandão pergunta se há ocorrência de crase ou não.
Leia os trechos a seguir e identifique a alternativa em que é obrigatório o uso de acento grave.
a) “… a crase não partiu da Academia Brasileira de Letras, a quem caberia a iniciativa…”
b) “… que dedicaram suas vidas a nossa língua.”
c) “… transferiu-se a tarefa da mudança gramatical para as Câmaras Legislativas.”
d) “… encontrei na rua um homem que se dirigia as pessoas falando sem crases…”
e) “… como homenagem a esse grupo que tanto faz pelo Brasil…”

Fonte: Vestibular Ibmec São Paulo - 2007

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