Adoro brincar com palavras, palavrões, expressões, ditos populares ou impopulares. Descobrir a origem de palavras e frases. Tenho um amigo que me chama de O Rei do Dicionário Abril. Tenho todos, desde 75. Outro dia, no Jô, esbaldei-me (caí dentro de um balde?) de rir com o jornalista Marcelo Duarte, que escreveu um livro imenso (O Guia dos Curiosos, editora Cia. das Letras) só sobre essas bobageiras e, tenho certeza, para mim.
Agora saiu um outro livro (Isso é Grego Para Mim!, de Michael Macrone, da Universidade de Berkeley, pela Editora Rotterdan). Macrone, ainda garoto, vai buscar no grego e no latim, naqueles clássicos todos, as origens de algumas palavras e expressões. É uma delícia. Vou contar algumas:
ALTER EGO — Sêneca já dizia: "O que pode ser mais precioso que ter um amigo com o qual francamente possas falar a respeito de tudo? Um amigo assim é raro e, uma vez encontrado, deve ser diligentemente conservado, pois é como um outro eu (alter ego)". Só depois de Freud é que alter ego tomou o sentido de "uma identidade diferente de uma mesma pessoa".
O AMOR É CEGO — Viria da cegueira do Cupido, apontando sua seta dourada para alguma vítima. Mas pairam dúvidas, pois a cegueira do Cupido parece ter sido coisa pós-clássica.
AMOR PLATÔNICO — Claro, vem de Platão, é claro, que nutria um amor não sexual pelos seus jovens discípulos. "Na Grécia daquele tempo, não era raro adolescentes e rapazes se ligarem romanticamente a um homem mais velho, que ficava conhecido como o 'amante'." Parece que hoje em dia isso se chama pederastia. O meu amor, por exemplo, é um amor pratônico.
ARGONAUTAS — Era a nau de Jasão, construída por Argos, cujo nome, em grego, quer dizer veloz. Daí que veio a palavra dada aos aventureiros que chegaram na Califórnia em 1849, na grande Corrida do Ouro.
CALCANHAR DE AQUILES — Nem sempre Aquiles teve um calcanhar de Aquiles, que seria seu único ponto vulnerável. Conta a lenda que a flechada com que Páris o matou não foi bem ali que acertou.
CANÁRIO — Por que um pássaro teria o nome derivado de um cão (canis)? Foram originários de uma ilha que tinha muitos cães e pássaros (hoje as Ilhas Canárias, espanholas). Cães e pássaros foram levados para o continente. Os cachorros morreram, ficaram os canários.
SIRENE — Vem do canto das sereias, que tanto atraíam Ulisses e sua turma pelos mares. Apalavra sirene vem de sereia. Assim como as sereias chamavam os navegadores para a morte, hoje a sirene chama os operários para as fábricas. Sem contar a sirene da polícia, que coisa boa não chama.
CÍNICO — Mais uma vez, coisa de cachorro. Do grego kynicós, que significa "semelhante a cachorro". O apelido era dado aos filósofos de então e "trazia uma boa carga de desprezo por pessoas que não estavam lá muito preocupadas com a higiene pessoal e cujos costumes ascéticos colocavam-nas à margem do que considerava uma sociedade civilizada". Portanto, concluo eu, os hippies foram os cínicos dos anos 60.
FASCISTA — Os ajudantes de oficiais romanos usavam feixes (fascis, em latim) no ombro, como símbolo de autoridade. No final do século 19, na Itália, a palavra passou a significar "grupamentos políticos". Mussolini, antibolchevista, gostou do nome.
LACÔNICO — Quando Felipe da Macedônia escreveu aos magistrados de Esparta "Se eu entrar na Lacônia, reduzirei Esparta a pó", os lacônicos sucintamente responderam: “Se". Mais lacônico impossível.
MENTOR — Era um soldado, amigo de Ulisses, na Odisséia de Homero. Venceu uma batalha, salvando Penélope de uns tarados e o seu nome entrou para a história, embora não tenha vencido mais nenhuma luta.
OPERAÇÃO CESARIANA— Aqui pairam dúvidas. Todos sabem que Júlio César nasceu de uma cesariana. Mas acontece que, quando ele nasceu, ainda não era César. Chamava-se Caio Júlio. É como o caso do ovo e da galinha. Quem nasceu primeiro?
OSTRACISMO — "No século V a.C., os cidadãos votavam em seus inimigos públicos favoritos, escrevendo os nomes em um pedaço de cerâmica, utensílio que os gregos chamavam de óstrakon. Os vencedores eram prontamente banidos da cidade por dez anos." Ou seja, caíam no ostracismo.
QUEIMAR AS PESTANAS — Pitéas, líder popular ateniense, espicaça Demóstenes (aquele que treinava oratória com a boca cheia de pedras), dizendo que seus argumentos "cheiravam a lamparina" — em outras palavras, que eles revelavam demasiado estudo. Hoje diríamos que, para ele chegar aonde chegou, "queimava as pestanas".
SALÁRIO — "É aquilo que você recebe no final do mês e logo gasta em CD e despesas com o carro, mas, quando os soldados romanos recebiam seu salariam, era para que pudessem comprar sal, importado e precioso."
TRAGÉDIA — Supõe-se que a palavra vem de tragoidía, que significa "canção do bode". Bode, em grego é trágos. Deve ser verdade, porque, afinal, toda tragédia é um verdadeiro bode.
Mário Prata
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