quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Brasil 500 anos


Comercial dos Correios com texto da Carta de Pero Vaz de Caminha.

Anunciante: Correios
Título: Transformação
Agência: Ogilvy
Direção de Criação: Camila Franco

Releituras

1. Uma proposta interessante é pedir aos alunos releituras da Carta de Caminha, seguindo a proposta dos poetas Modernistas - com olhar crítico do processo de colonização:


Tupi or not tupi - This is the question
Oswald de Andrade

Brasil


O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval


Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!

Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português


2.  Ou ainda releitura da carta como os modelos de Luís Fernando Veríssimo e outros que circulam pela internet. Quem sabe enviar um e-mail ao rei ou tuitar contando as novas sobre o Achamento da Nova Terra?

A derradeira carta do escrivão do Rei


            Pero Vaz de Caminha, o primeiro repórter no Brasil, não teve tempo de escrever tudo o que gostaria. Então, alguém tomou seu lugar
Imaginem uma segunda carta de Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manuel. Ela teria sido escrita em Calicute, na costa ocidental da Índia, onde a frota de Cabral ancorou em 13 de setembro de 1500, depois do "achamento" do que ainda pensavam ser uma ilha, que chamaram de Vera Cruz. Às vésperas de morrer nas mãos dos indianos, junto com outros portugueses, Caminha fica sabendo que sua primeira carta, com o pedido para que o genro fosse trazido de volta do desterro, nem chegou às mãos do rei. Segue-se um trecho da missiva desconhecida até hoje:

Dos infortúnios da nossa viagem da terra nova, de onde saíram 11 naus, a Calicute, onde chegaram cinco, sabe ou ainda não sabe Vossa Alteza, mas não serei eu a atormentá-Lo como os ventos do Cabo Tenebroso nos atormentaram, pois muitas vezes mais cruel é o contar do que o acontecido. Saiba apenas que se muitos mareantes afundaram, afundaram com Vossa Alteza no pensamento, e que os peixes se banquetearam de boa fibra portuguesa. Bartolomeu Dias, sabe ou ainda não sabe Vossa Alteza, deu segundo turno à Natureza que um dia humilhou, e desta vez perdeu. Naufragou ao Cabo que deu nome, o da Boa Esperança. Seu nobre coração repousa entre os corais do fundo, e não brilha menos.
Viajávamos ainda ao longo da terra nova, antes das tormentas, quando uma noite encontrei o Capitão-mor, sozinho, barba ao vento, na amurada. Olhava para a silhueta negra da costa e sua própria silhueta era outro silêncio negro, até falar. "É grande a ilha, Caminha", disse-me ele, embora não tivesse dado sinal de me distinguir do breu. E eu disse: "É gigantesca a ilha, Capitão", e ele grunhiu um assentimento. Viajávamos já léguas para o sul sob as estrelas cruzadas e ainda não tínhamos encontrado o fim do gigante. "Ou não é ilha", disse o Capitão, e eu grunhi nem sim nem não.
O Capitão bateu com os dois punhos no peito e disse que sentia um continente por trás da silhueta negra que olhávamos. Sentia outro mundo, e sentia-o no peito. Disse: "Talvez mundo demais", e meu grunhido foi ainda mais precavido. E disse o Capitão: "Penso comigo que despertamos alguma coisa. Penso comigo, Caminha, que mexemos em alguma coisa demais". Grunhi de novo. E perguntei: "Quanto mais mundo haverá neste Ocidente?" E disse o Capitão que, quanto mais mundo houvesse, não faltariam portugueses para lhe dar nome. E passamos o resto do encontro em louvação a Portugal e a Vossa Alteza.
Em outro encontro na amurada, em outra noite, contei ao Capitão meu pensamento, que não tive tempo de incluir na carta para Vossa Alteza que seguiu na nau dos mantimentos, para o ingrato esquecimento. Pensei que o gentio pardo da ilha talvez não fossem cabaças vãs que receberiam a fé cristã como água, mas que continham outra devoção que a água do Senhor lavaria. Que nelas não haveria um vazio a se encher com alma, mas antes se trocaria uma alma por outra, como água ruim se troca por boa, ou borra por vinho novo. Pois não era só a inocência dos bichos que ali existia, antes dos portugueses e da Santa Cruz, e sim um povo e suas crenças. Que teriam pensado os pardos, ouvindo o latim das nossas missas? Que há séculos falavam com Deus na língua errada, e por isso tinham nada, enquanto os portugueses tinham camisas de linho, grandes barcos e grandes barbas, porque Deus os entendia.
Disse o Capitão, a silhueta sábia, que o que se olha e o que se vê são coisas diferentes, pois um olha as estrelas e vê um caranguejo e outro olha e vê os lampiões dos pescadores num mar noturno, e o que parecia inveja seria ira guerreira. Pois tínhamos desarrumado alguma coisa entre eles, pois tínhamos mexido em alguma coisa em suas vidas e suas mentes selvagens. E que o que diziam e não entendíamos era que nos queriam longe da sua terra, com nossa Cruz, nossas barbas e nossa maldita outra língua. E disse mais o Capitão que o gentio pardo nos queria longe como a uma doença, e quem poderia dizer se estavam certos? "A Europa é uma doença, Caminha?", perguntou o Capitão, e mal o entendi também. "Bendita doença, Capitão, que leva Cristo e traz gengibre." Foi a vez dele grunhir.
No nosso terceiro encontro na amurada, já em mar alto, o Capitão disse que olhar e ver eram tão diferentes que quem olhasse nossa chegada à ilha dos papagaios não saberia se naquilo via intenção ou acaso. Perguntei se Vossa Alteza e o Capitão já sabiam da existência da ilha, se não das suas gentes sem panos, ou se o acaso e o mau cálculo para lá nos tinham levado, mas quando ele ia responder ouviu-se um grito do vigia, "Cometa, cometa", e olhamos o céu indicado, e saíram os homens do seu recolhimento e olharam o céu indicado. E todos vimos a mesma coisa, uma estrela com uma longa cauda azul, e ninguém viu o mau agouro.
Não mais encontrei o Capitão na amurada, nas dez noites em que o cometa nos acompanhou. Depois começou a tormenta que nos levou tantas almas, e de que sabe ou não sabe Vossa Alteza. E da nossa última noite na amurada guardei do Capitão resposta à minha pergunta sobre a terra à qual nos levara desígnio ou acaso. O que tínhamos lá começado, depois de lhe dar o nome? E disse o Capitão: "Em 500 anos saberemos".
Por Luis Fernando Verissimo

Praga
Luis Fernando Veríssimo

Um índio, que até então nem sabia que era índio, estendeu a mão e ofereceu a Cristóvão Colombo um tomate.
- Um pomo d’oro! - exclamou o almirante, confundindo o fruto que brilhava ao sol da nova América com uma maçã selvagem. Depois examinou o fruto mais de perto e perguntou:
- Para o que serve?
- Saladas - respondeu o índio. - Refogados. Molhos.
- Para o espaguete! - exclamou Colombo, compreendendo por que o destino o trouxera até ali. Lembrando que seu nono, em Gênova, vivia elogiando Marco Polo por ter trazido o espaguete do Oriente e sua nona vivia dizendo que sim, o espaguete era bom, mas faltava alguma coisa. Sua missão estava revelada: numa só viagem, superara o Marco Polo do nono e descobrira o que faltava na macarronada da nona. Ficou com o tomate.
- O que você me dá em troca? - quis saber o índio.
Não se sabe que língua falavam. A linguagem mágica dos grandes encontros. Não interessa.
- Dou em troca um dos produtos supremos de nossa civilização. Uma preciosidade. Um dos frutos da indústria que breve chegará aqui e transformará este mato em outra Europa.
E Colombo deu uma miçanga ao índio.
Colombo perguntou que outra novidade o índio tinha para lhe dar. E o índio ofereceu uma batata.
- O que faremos com isto? - perguntou Colombo, olhando a feia batata com pouco entusiasmo.
O índio descreveu o futuro da batata, desde a sua importância na alimentação dos camponeses europeus em fomes ainda por vir até a “noisette” e as fritas. E Colombo botou a batata na algibeira e deu em troca uma moedinha de valor tão baixo, que em vez da cara mostra o joelho do rei. O que mais o índio tinha para lhe dar?
O fruto do cacaueiro, de onde sairia o chocolate. O índio descreveu o significado do chocolate para a história do mundo, especialmente da Suíça e da Bahia, e como seriam os bombons, e as barras recheadas com avelãs, e suspeita-se que tenha mencionado até a mousse. E Colombo trocou o cacau por um espelhinho. Que mais?
Fumo! Em breve, todos estariam experimentando as delícias do tabaco e o novo hábito dominaria o mundo. E para quem quisesse um barato ainda maior, o índio incluía a planta da coca junto com a planta do fumo em troca das contas que Colombo lhe oferecia. Que mais?
Milho. Aipim. Um papagaio.
- E isso que você tem no nariz? - perguntou Colombo, apontando para a argola de ouro.
- O que você me dá em troca?
Colombo ofereceu mais miçangas, que o índio não quis. Outra moedinha. Comprimidos. Vale transporte. Finalmente apontou sua pistola para a cabeça do índio e disse “Isto”. E disparou. Depois deu ordens a seus homens para recolher todo o ouro à vista, mesmo que tivessem que trazer os narizes juntos.
Do chão, antes de morrer, o índio amaldiçoou Colombo e praguejou. Que a batata tornasse a sua raça obesa, que o chocolate enchesse as suas artérias de colesterol, que o fumo lhe desse câncer, que a cocaína o enlouquecesse e que o ouro destruísse a sua alma. E que o tomate - pediu o índio aos céus, com seu último suspiro - se transformasse em ketchup e molho enlatado sem graça que estragasse o espaguete para todo o sempre. E assim aconteceu.
(OESP - 1.10.95)


Texto 2

Senhor: Posto que o capitão-mor desta vossa frota, assim como os outros capitães e o piloto escrevam a Vossa Alteza sobre onde estamos e como aqui chegamos, cabe-me relatar o que vimos, pois se, como escritor, pouco sei de marinhagem e singraturas, muito sei de espantos.
A partida de Belém para Calicute, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. No domingo, 22 do dito mês, nos vimos em calmaria à vista da Ilha de Cabo Verde, e rezamos todos por uma aragem que dali nos deslocasse, e tanto rezamos que do horizonte ergueu-se um rosto gigantesco, desses que se vêem nos mapas soprando os ventos, e perguntou: "Sois portugueses?". À nossa reposta positiva, e dado que o Mar é o Tejo sem as margens e nele reina Portugal, inflou suas bochechas quilométricas e nos pôs a caminho como Vossa Alteza é servida. Mas soprou demais, tanto que atravessamos não apenas léguas mas séculos, e antes de toparmos com a nova terra topamos com seus nativos, que nos cercaram, montados em barulhentos bichos anfíbios que na língua deles é "jetisquis". Foram eles que nos disseram, no seu linguajar que em alguns momentos parece cristão e em outros não, que sua terra se chamava "Bahia", que estávamos no ano 2000 e que, sim nos guiariam até a praia. Na língua deles "sim" é "oquei".
Ao desembarcarmos na praia fomos cercados por um gentio pardo, todos seminus, alguns com argolas nas orelhas, no nariz ou no umbigo ou com desenhos feitos na pele. As mulheres mal cobrem suas vergonhas, que são limpas das cabeleiras, e quando perguntamos, com gestos, que nome davam às vergonhas glabras, reponderam "de-pi-lação". Os nossos não acertaram a pronúncia, pois quando dias depois Nicolau Coelho disse que queria "de-pi-lação" foi levado para um lugar afastado onde algo lhe aconteceu que ele nunca nos contou, mas obviamente não era o que esperava. As moças andam com os peitos destapados e os peitos são altos e roliços. Peito, na língua deles, é "silicone", se bem os entendemos.
Aos poucos, usando a mímica, e já que todos eram extremamente amáveis, fomos aprendendo o linguajar do gentio e detalhes da sua vida e dos seus costumes. Eles comem em grandes construções chamadas "mac-do-naldis", ou refeitórios, e sua comida consiste em rodelas de carne moída entre pedaços de pão, às vezes com queijo, e nacos de um vegetal que ainda não conhecíamos, uma espécie de inhame chamado "fritas". Bebem um líquido preto, a "coca", ou cerveja. Vivem em construções de pedra de diversos andares mas muitos parecem morar em pequenas choupanas de metal enfileiradas, uma atrás da outra, chamadas "engarrafamento", e que, embora tenham rodas, não se mexem, pois não há cavalos para puxá-las. Outros vivem em casas mal construídas, com tábuas e latas ou dormem ao relento mesmo, pois o clima é ameno e dispensa cobertor e teto. As casa de muitos andares são chamadas de "flat", "flat services" ou outras palavras que, estranhamente, lembram o inglês. O que levou Bartolomeu Dias a sugerir que os ingleses talvez tenham estado por aqui, o que nos pôs todos a rir, pois, como bem sabe Vossa Alteza, nem em 500 anos a Inglaterra se igualará a Portugal como potência marítima, ora tem piada.
Eles usam uma espécie de dinheiro, que chamam de "porcaria", e aqui como em Portugal uma minoria tem muito e a maioria tem pouco. Com a diferença que aqui a minoria não é nobre, e portanto com o direito divino a ter muito, como em Portugal. O sistema de governo é monáquico e o rei é chamado de "antônio carlos", mas quando pedimos para falar com o líder deles houve uma grande discussão, com alguns querendo nos levar para um lado e outros para o outro, e concluímos que divergem sobre quem é o seu "antônio carlos".
Eles parecem não ter religião, embora passem muito tempo sentados em volta de um tabernáculo do qual emana uma intensa luminosidade, e que chamam de "novela", mas quando o padre frei Henrique, a pedido do nosso capitão-mor, celebrou a primeira missa na praia poucos demonstraram interesse. Um dos nativos aconselhou o padre frei Henrique a modificar a liturgia para atrair o pessoal e na segunda missa nosso bom padre cantou e dançou e pediu para todos cantarem com ele, e o gentio veio e cercou o altar improvisado e mostrou grande devoção, mas roubaram a cruz.
A terra, Senhor, é mui formosa. Águas são muitas, infindas, e em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto que nela se pode fazer será salvar essa gente, mesmo que me pareça que para isso já é tarde. E por falar em salvar, peço que Vossa Alteza me faça a singular mercê de mandar vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, e salvar um casamento. E assim partiremos desta vossa nova terra para Calicute, onde esperamos chegar antes dos ingleses. Todos menos o padre frei Henrique, que decidiu ficar e fazer carreira.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Luis Fernando Veríssimo


Carta de Pero Vaz Atualizada:

Olá meu amado Rei, aqui quem fala é o Pero Vaz. Está me ouvindo bem? Peguei emprestado o celular de um nativo aqui da nova terra.
Tudo bem, o Capitão Pedro está lhe mandando um abraço. Chegamos na terça, 21 de abril, mas deixei para ligar no Domingo porque a ligação é mais barata.
É aqui tem dessas coisas. Os nativos ficaram espantados com a nossa chegada por mar, não achavam que éramos Deuses, Majestade.
Acharam que éramos loucos de pisar em um mar tão sujo. A ligação está boa? Pois é, essa terra é engraçada. Tem telefonia celular, digital, automóveis importados, acesso gratuito à Internet mas ainda tem gente que morre de malária e está cheia de criança barriguda de tanto verme. É meio complicado explicar. Se já encontramos o chefe? Olha Rei, tá meio complicado. Aqui tem muito cacique para pouco índio. Logo que chegamos a Porto Seguro tinha um cacique lá que dizia que fazia chover, que mandava prender e soltar quem ele quisesse. É, um cacique bravo mesmo...Mais para o Sul encontramos outra tribo, uma aldeia maravilhosa e muito festiva, com lindas nativas quase nuas. Seguindo em direção ao Sul, saímos do litoral e adentramo-nos ao planalto. Lá encontramos uma tribo muito grande. A dos índios Sampa. Conhecemos o seu cacique, que tinha apito mas que não apitava nada, coitado.
Dizem até que ele apanha da mulher. O senhor está rindo, Majestade?
Juro que é verdadeiro o meu relato. Como vossa Majestade pode perceber, é uma terra fácil de se colonizar, pois os nativos não falam a mesma língua. Sim, são pacíficos sim. É só verem um côco no chão para eles começarem a chutá-lo e esquecerem da vida.
Sabem, sabem ler, mas não todos. A maioria lê muito mal e acredita em tudo que é escrito.
Vai ser moleza, fica frio.
Parece que há um "Cacicão Geral", mas ele quase não é visto.
O homem viaja muito. Dizem que se a intenção for evitar encontrá-lo, é só ficar sentado no trono dele. Engraçado mesmo é que a "indiaiada" trabalha a troco de banana!!! Todo mês eles recebem no mínimo 200 bananas.
Não é piada, Majestade!! É sério!! Só vindo aqui prá ver. Olha, preciso desligar. O rapaz que me emprestou o telefone celular precisa fazer uma ligação. Ele é comerciante.
Disse que precisa avisar ao povo que chegou um novo carregamento de farinha. Engraçado... eles ficam tão contentes em trabalhar...
A cada mercadoria que chega, eles sobem o morro e soltam rojões.
É uma terra muito rica, Majestade. Acho que desta vez acertamos em cheio.
Isso aqui ainda vai ser o país do futuro...
Autor desconhecido



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