segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Papo furado

Luis Fernando Verissimo

- Iminência...
- Você quer dizer "eminência".
- O quê?
- Você disse "iminência". O certo é "eminência".
- Perdão. Sou um servo, um réptil, um nada. Uma sujeira no seu sapato de cetim. Mas sei o que digo. E eu quis dizer "iminência".
- Mas está errado! O tratamento certo é "eminência".
- Não duvido da sua eminência, monsenhor, mas o senhor também é iminente. Uma iminência eminente. Ou uma eminência iminente.
- Em que sentido?
- No sentido filosófico.
- Você tem dois minutos para se explicar, antes que eu o excomungue.
- Somos todos iminentes, monsenhor. Vivemos num eterno devir, sempre às vésperas de alguma coisa, nem que seja só o próximo segundo. Na iminência do que virá, seja o almoço ou a morte. À beira do nosso futuro como de um precipício. A iminência é o nosso estado natural. Pois o que somos nós, todos nós, se não expectativas?
- Você, então, se acha igual a mim?
- Nesse sentido, sim. Somos co-iminentes.
- Com uma diferença. Eu estou na iminência de mandar açoitá-lo por insolência, e você está na iminência de apanhar.
- O senhor tem esse direito hierárquico. Faz parte da sua eminência.
- Admita que você queria dizer "eminência" e disse "iminência". E recorreu à filosofia para esconder o erro.
- Só a iminência do açoite me leva a admitir que errei. Se bem que...
- Se bem quê?
- Perdão. Sou um verme, uma meleca, menos que nada. Um cisco no seu santo olho, monsenhor. Mas é tão pequena a diferença entre um "e" e um "i" que o protesto de vossa eminência soa como prepotência. Eminência, iminência, que diferença faz uma letra?
- Ah, é? Ah, é? Uma letra pode mudar tudo. Um emigrante não é um imigrante.
- É um emigrante quando sai de um país e um imigrante quando chega em outro, mas é a mesma pessoa.
- Pois então? Muitas vezes a distância entre um "e" e um "i" pode ser um oceano. E garanto que você terá muitos problemas na vida se não souber diferenciar um ônus de um ânus.
- Isso são conjunturas.
- Você quer dizer "conjeturas".
- Não, conjunturas.
- Não é "conjeturas" no sentido de especulações, suposições, hipóteses?
- Não. "Conjunturas" no sentido de situações, momentos históricos.
- Você queria dizer "conjeturas" mas se enganou. Admita.
- Eu disse exatamente o que queria dizer, monsenhor.
- Você errou.
- Não errei, iminência.
- Eminência! Eminência!


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1. Localize as falas que fazem uso da função metalinguística e justifique suas escolhas.
2. Existe alguma expressão com função fática no texto? Explique por quê.
3. A linguagem usada no texta está no registro culto ou popular? Por quê?
4. Procure no texto os termos e as frases que indicam a hierarquia entre os dois falantes.


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