segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Uso dos pronomes

Inimigos
Luís Fernando Veríssimo

O apelido de Maria Teresa, para o Norberto, era “Quequinha”. Depois do casamento sempre que queria contar para os outros uma de sua mulher, o Norberto pegava sua mão carinhosamente, e começava:
- Pois a Quequinha...
E a Quequinha, dengosa, protestava.
- Ora, Beto!
Com o passar do tempo, o Norberto deixou de chamar a Maria Teresa de Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia:
- A mulher aqui...
Ou, às vezes:
- Esta mulherzinha...
Mas nunca mais Quequinha.
(O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca em silêncio. O tempo usa armas químicas.)
Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por “Ela”.
- Ela odeia o Charles Bronson.
- Ah, não gosto mesmo.
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda usava um vago gesto da mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer “essa aí” e a apontar com o queixo.
- Essa aí...
E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém.
(O tempo, o tempo. O tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois a outra...)
Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na sua direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz:
- Aquilo...


Reflita:

De que maneira o uso dos pronomes contribui para a contrução do efeito de humor que se pode observar nesse texto, "inimigos"

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