Escrever, por
quê?
Por
que escrevo: como encontrar algo de original para dizer na décima, na quinquagésima
ou centésima vez, sendo atenciosa como qualquer pessoa merece, sobretudo um
estudante ou profissional das perguntas?
A
resposta direta seria: escrevo porque sou ambivalente, insegura e desejosa de cumplicidade.
Mas,
com uma pontinha de malícia, às vezes dou uma resposta torta: a questão não é
por quê, mas “sobre o que escrevo”.
De
que falo, então, ao fazer minha literatura?
Um
dos rótulos usados em relação a isso é “ela escreve sobre mulheres”.
Constatação falhada, pois mulheres não são meus personagens exclusivos, nem
mesmo os mais elaborados: são homens e crianças, casas com sótão e porões,
dramas ou banalidade. Falo também do estranho atrás de portas, mortos que vagam
e vivos que amam ou esperam.
Escrevo
sobre o que me assombra, às vezes desde a infância.
Escrever
para mim é sobretudo indagar: continuo a menina perguntadeira que perturbava os
almoços familiares querendo saber tudo, qualquer coisa, o tempo todo. Portanto,
escrevo para obter respostas que – eu sei – não existem... por isso continuo
escrevendo.
E
escrevo sobre possibilidades de ser mais feliz – isso, eu sei também, depende
um pouco de cada um de nós, de nossa honradez interior, nossa fé no ser humano,
nosso compromisso com a dignidade. De sorte, e de decisões que muitas vezes só
anos depois poderemos avaliar.
Falo
do que somos: nobres e vulgares, sonhadores e consumidores, soprados de
esperança e corroídos de terror, generosos e tantas vezes mesquinhos. Invento
para minhas criaturas muito mais do que expresso em linhas ou silêncios –
sempre o mais importante de um texto meu. Mesmo que nem mencione, sei se aquela
mulher usa algodão ou sedas, se a escada range quando ela caminha – ainda que
nenhum desses detalhes apareça no romance. Conheço a solidão daquele homem, se
cultiva medos secretos, se pensa na morte, se desejaria ser mais amado.
E
quando começo a “ser” essa pessoa, quando o clima da obra me envolve e arrasta,
chegou o momento em que o livro quer ser escrito. Então estarei aberta a ele,
escutando o que se passa no meu interior. Boa parte do que eu escrevo brota
desse caldeirão de bruxas que é inconsciente e lucidez, memória e invenção,
susto e amadurecimento.
São
meus e não são, esses vultos com seus destinos e desatinos – que armo e
desarmo. De repente aí estão meus personagens: um olho, o contorno de um
perfil, um gesto, um riso ou uma tragédia, um silêncio e uma solidão. Persigo a
sua busca de significados.
Escrevo
porque tenho prazer em elaborar com palavras tantos destinos cujo fio nasce em mim,
produzindo novelos para que eu trabalhe minhas tapeçarias.
Escrevo
para seduzir leitores: venham ser cúmplices da minha perplexidade fundamental, essa
que me move.
Não
se pode esquecer também que escrevo propondo uma releitura dos valores
familiares e sociais de meu tempo: cada um de meus romances pode e deve ser
lido como uma denúncia da hipocrisia, da superficialidade e da mentira nos
tipos de relacionamento mais estranhos ou mais comuns. Não é apenas o
imponderável e misterioso que me interessa, mas o grande desencontro humano.
O
escritor fala pelos outros. Trabalha para que os outros sonhem ou enxerguem
melhor coisas que nem ele próprio adivinha – estão além de sua visão, mas
dentro do seu pressentimento.
Talvez
seja essa a função de toda a arte (se é que ela tem alguma): a libertação e o crescimento
de quem a exerce e de quem a vai contemplar.
Nessa
medida a pessoa do escritor é desimportante, valem os questionamentos que faz,
e a forma com que elabora em textos a nossa essencial contradição – matéria
viva de sua contemplação e arte.
(LUFT,
Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004. p.179-181.)
1) Segundo Lya
Luft, ela escreve porque é ambivalente, insegura e desejosa de cumplicidade. Assinale
o item que não confirma essa afirmativa.
A) “(...) como
encontrar algo de original para dizer na décima, na quinquagésima ou centésima
vez, sendo atenciosa como qualquer pessoa merece, sobretudo um estudante ou
profissional das perguntas?” (1º §)
B) “Falo do que
somos: nobres e vulgares, sonhadores e consumidores, soprados de esperança e corroídos
de terror, generosos e tantas vezes mesquinhos.” (9º §)
C) “Escrevo para
seduzir leitores: venham ser cúmplices da minha perplexidade fundamental, essa que
me move.” (13º §)
D) “Não é apenas
o imponderável e misterioso que me interessa, mas o grande desencontro humano.”
(14º §)
2) Há uma
passagem em que a cronista parece não falar do leitor, mas com o leitor.
Assinale a alternativa que comprova a afirmativa.
A) “Escrevo para
seduzir leitores: venham ser cúmplices da minha perplexidade fundamental, essa que
me move.” (13º §)
B) “Por que
escrevo: como encontrar algo de original (...) sendo atenciosa como qualquer
pessoa merece, sobretudo um estudante ou profissional das perguntas?” (1º §)
C) “Talvez seja
essa a função de toda a arte (se é que ela tem alguma): a libertação e o
crescimento de quem a exerce e de quem a vai contemplar.” (16º §)
D) “O escritor
fala pelos outros. Trabalha para que os outros sonhem ou enxerguem melhor
coisas que nem ele próprio adivinha – estão além de sua visão, mas dentro do
seu pressentimento.” (15º §)
3) Levando em
conta a discussão sobre a concepção de leitura e os três últimos parágrafos da
crônica, assinale a opção que corresponde à visão de leitura da cronista.
A) O sujeito é o
senhor absoluto de suas ações e de seu dizer e o texto é um produto, cabendo ao
leitor um papel passivo, de captador ou receptor das intenções do autor.
B) O sujeito é
assujeitado pelo sistema, e o texto é um produto da codificação de um emissor a
ser decodificado pelo leitor, sendo necessário a este, para tanto, o
conhecimento do código utilizado.
C) Os sujeitos
ativos se constroem e são construídos no texto, que é o lugar da interação e da
constituição dos interlocutores. O sentido do texto é construído na interação
texto-sujeitos.
D) O sujeito é
caracterizado por uma não consciência, já que o princípio explicativo de
qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamento individual repousa sobre a
consideração do sistema.
4) Há dois
momentos que se destacam e se emaranham no seu decorrer: o motivo da escritura
e o assunto da escritura. Assinale a afirmação que não define o tema.
A) “Talvez seja
essa a função de toda a arte (se é que ela tem alguma): a libertação e o
crescimento de quem a exerce e de quem a vai contemplar.” (16º §)
B) “Escrevo
sobre o que me assombra, às vezes desde a infância.” (6º §)
C) “Invento para
minhas criaturas muito mais do que expresso em linhas ou silêncios – sempre o mais
importante de um texto meu.” (9º §)
D) “Portanto,
escrevo para obter respostas que – eu sei – não existem... por isso continuo escrevendo.”
(7º §)
5) A cronista
define a matéria com a qual trabalha como “a nossa essencial contradição” e ela
mesma, durante toda a crônica, demonstra a existência desse desencontro dentro
de si. Assinale o item que não confirma essa constatação.
A) “Boa parte do
que eu escrevo brota desse caldeirão de bruxas que é inconsciente e lucidez, memória
e invenção, susto e amadurecimento.” (10º §)
B) “(...)
escrevo para obter respostas que – eu sei – não existem... por isso continuo
escrevendo.” (7º §)
C) “Escrevo
porque tenho prazer em elaborar com palavras tantos destinos cujo fio nasce em
mim, produzindo novelos para que eu trabalhe minhas tapeçarias.” (12º §)
D) “... venham
ser cúmplices da minha perplexidade fundamental, essa que me move.” (13º §)