terça-feira, 26 de outubro de 2010

Haicai

Haicai


            Haicai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta com muitos praticantes e estudiosos brasileiros. No Japão, e na maioria dos países do mundo, é conhecido como haiky.

           Segundo Harold G. Henderson, em Haiku in English, o haicai clássico japonês obedece a quatro regras:

•Consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas

•Contém alguma referência à natureza (diferente da natureza humana)

•Refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização)

•Apresenta tal evento como "acontecendo agora", e não no passado.

          

No transplante do haicai para outros países, algumas das regras anteriores são seguidas com maior ou menor fidelidade, enquanto outras podem ser mesmo ignoradas, dependendo de cada poeta ou da escola seguida.


          
De Guilherme de Almeida:


O PENSAMENTO


O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.


INFÂNCIA

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".


          
Os alunos da 8a 01 do GPF, depois de conhecerem as características dos haicais e alguns dos escritores brasileiros  (Guilherme de Almeida, Alice Ruiz e Paulo Leminski), arriscaram-se na produção de seus primeiros haicais. Leia-os abaixo:


Suspiro

Folha solta ao vento
Momento de silêncio
Ao som do pensamento
Mateus Gonçalves

Flutuar no céu
Navegar no mar azul
A deriva no olhar
Diego Godoy

Borboletas ao ar
Coloridas a flutuar
Beleza de quem a vê.
Gabriela

Parece ser bom
Apesar de tudo
Já comi bombom
Brenda Luana

Por que é assim?
Um mundo errado
Uma vida sem fim
Brenda Luana

Beija-flor

Beija-flor na dália
Se abriga da tempestade
E da solidão
Alexandre Schelbauer

Flores e cores

Primavera no ar
No encanto do sabiá
As flores renascem
Gabriel Lessa

Nova estação

Primavera chega
Beija-flor bate as asas
Flores desabrocham
Jean Carlos

A chuva cai em gotas
Molha suave a pedra e as flores
E enche o rio de vida
Leandro Deschamps

Na janela

Lua cheia no céu
Estrelas dançantes brilham
Em um olhar vazio
Carolina de Castro

Madrugada

Um dia frio de chuva
A madrugada nublada
A espera da amada
Carolina Aiolfi

O sol brilha muito
E reflete na janela
Rabiscos do poeta
Mateus D. Batista

Pensando rimas

Chuva no telhado
Pensamentos refugiados
Buscam rimas
Brenda Schelbauer

Não haverá pôr-do-sol
Que substitua a beleza
Do verdadeiro amor
Samara


Folhas nas árvores
Enfeitando a paisagem
Dando cor aos olhos.
Daniela Masson

Um risco de lápis
Num pedacinho de papel
Traços na mente.
Daniela Masson

No meu lindo jardim
Borboletas coloridas
Enfeitando a vida.
Daniela Masson

Árvore com fruta
Uma delícia no alto
Pra quem a prova
Daniela Masson

Tristeza na praça
Flor se desmancha no chão
E no sorriso da moça
Amanda Klitzke dos Santos

Montanha-russa
Tem seus altos e baixos
Com braços nas alturas
Amanda Klitzke dos Santos

Texto dramático

GÊNERO DRAMÁTICO

Trata-se do texto escrito para ser encenado no teatro. Nesse tipo de texto, não há um narrador contando a história, todo o texto se desenrola a partir de diálogos, obrigando a uma seqüência rigorosa nas cenas e de suas relações de causa e conseqüência.

Atualmente, o gênero envolve dois aspectos: de um lado, como fenômeno literário, temos o texto, a linguagem; de outro, as técnicas de representação, o espetáculo. Ater-nos­emos, aqui, unicamente ao estudo do primeiro aspecto.

No drama, as personagens aparecem dotadas de características marcantes, representando realidades humanas concretas. Contudo, a caracterização será indireta, uma vez que se deve sugerir ao público os traços peculiares das personalidades representadas, sendo que o autor não pode imiscuir-se na ação. Assim, o teatro exige um esmerado juízo seletivo, pois cada um dos fatos ocorrentes deve, pela concisão ou/e pela síntese, ser capaz de despertar emoção. A obra dramática não apresenta descrições nem dissertações, mas busca acentuar a ação. O texto é, então, representativo, onde o diálogo é fundamental, em contraposição ao romance, à novela, ao conto, cujos textos visam a apresentar, e onde o diálogo, se houver, é bastante acessório.

É importante observar ainda que, no teatro, o autor faz uma tentativa de representar mais a língua falada do que a escrita. Daí os recursos próprios para enfatizar a entonação, a voz, a mímica, os gestos etc.

 
Leia o texto a seguir:


Filme Noir
O Chapeuzinho verde
Jô Soares

(Cenário: Interior - noite. Delegacia de Polícia Distrito do Bosque. Setor de contrabando de Biscoitos.)

Locutor: (off) O caso da menina do chapeuzinho verde é uma história real. Apenas a cor do chapeuzinho foi trocada, depois da queda do Muro de Berlim.

(Câmara aproxima-se da mesa do inspetor Lobo Mau.)

Lobo Mau - Meu nome é Lobo Mau, mas podem me chamar de Lobo. Tinha acabado de resolver o caso dos Três Parquinhos. O chefe felicitou-me e afagou minha cabeça dizendo que eu era um bom policial. Eu disse que não era um policial, eu era um lobo.

Sonoplastia: acorde de suspense.

O relógio bate 8 horas.

Lobo Mau - Oito horas. Tenho de fazer minha ronda pelo bosque. Escovo meu pêlo e saio para a floresta.

(Exterior - noite - bosque. Lobo está fumando encostado numa árvore. Aproxima-se uma estranha menina com uma cesta na mão e um curioso chapeuzinho verde.)

Lobo - com licença, menina. Gostaria de falar com você dois minutos.

Chapeuzinho – Quem é você?

Lobo - Inspetor Lobo Mau. Como é seu nome e aonde vai?

Chapeuzinho - Meu nome é Chapeuzinho Verde e eu estou indo para a casa da Vovó.

Lobo - Apesar desse nome ridículo, posso olhar o que você tem na cesta?

Chapeuzinho - Por que é que você quer olhar na cesta?

Lobo - Porque eu sempre olho na cesta, no sábado e no domingo.

(Take de Lobo Mau examinando a cesta cuidadosamente.)

Lobo - Vejamos: granadas, revólveres, duas metralhadoras e munição. Muito bem. Nada de suspeito aqui. Pode ir.

(Câmara pega Chapeuzinho Verde afastando-se de maneira sensual, rodando a cesta.)

Lobo - (Olhando a câmara em close.) Ela foi embora, sem perceber que eu tinha notado num compartimento secreto no fundo da cesta o que suspeitara: biscoitos!

Sonoplastia:acorde de suspense.

Lobo - Minha tarefa; chegar à casa da Vovó antes dela.

(Câmara mostra Lobo em disparada pelo bosque com a sirene ligada. Corta para interior – noite – casa da vovó).

Sonoplastia - batidas na porta. Vovó - Quem é?

Lobo - (Arrombando a porta e entrando.) É uma batida.

Vovó - Ótimo, eu gosto de batidas. É de limão?

Lobo - Não. É de polícia.

Vovó - Melhor ainda. São as mais fortes.

Lobo - (Em close para câmara.) Peguei a Vovó, tranquei-a no armário e colocando sua touca tomei seu lugar na cama. Cinco minutos depois ...

Chapeuzinho - (Entrando) Oi, Vovó. Eu me atrasei porque encontrei um tira no bosque. (Abrindo a cesta e mostrando os biscoitos) Está aqui a muamba.

Lobo - (Fazendo voz de vovó) Ótimo.

Chapeuzinho - Vovó, que orelhas grandes a senhora tem!

Lobo - É para melhor ouvir as provas.

Chapeuzinho - Mas Vovó! Que mãos grandes a senhora tem!

Lobo - É para melhor algemá-Ia.

Chapeuzinho - Mas Vovó! Que revólver enorme a senhora está apontando para mim!

Lobo - (Pulando da cama.) É para melhor prendê-Ia. Você é sua estão fazendo contrabando biscoitos através do bosque.

Sonoplastia: acorde de suspense.

Chapeuzinho - Oh! Você não é a Vovó! Você é aquele tira disfarçado de Vovó! Não sei como não percebi antes. Foi fácil notar a troca porque você se esqueceu dos bigodes.

Lobo - Mas eu não tenho bigodes.

Chapeuzinho - Pois é. Vovó tinha.

Sonoplastia: música de suspense. (Câmara vai se afastando num longo travelling e sai pela janela, mostrando a casa e todo o bosque.)

Locutor: (off) Existem milhões de histórias da carochinha no bosque encantado. Esta é apenas uma delas.


The End
(Veja, 9 de junho 1993)



Produção textual: adaptação de textos


Roteiro:

1. Nome do texto
2. Nome do autor
3. Adaptação de:
4. Personagens e características
5. Cenário

Ato único

Cena: (entrada dos personagens no palco - ele não pode aparecer do nada)

Produza o texto a partir das características do texto dramática - o nome do personagem deve vir ante de sua fala; marque também as rubricas de tom e movimentação do personagens. (Não se esqueça: não há narrador no texto teatral, tudo deve ser indicado nas rubricas.


Entrevistas

Apresentação da Entrevista




Costumamos identificar a Entrevista como a transcrição de uma conversa entre o entrevistador e entrevistado. Porém, para se redigir uma reportagem se faz necessário entrevistar pessoas no intuito de consultá-las sobre um tema de importância ou especular sobre a vida delas (personagens). Por isto, a Entrevista pode ser a simples apuração de dados importantes ou a publicação de informações colhidas na conversa entre entrevistador e entrevistado. Os três tipos de entrevistas citados acima são nominados da seguinte forma:


1) Perguntas e Respostas: transcrição da conversa entre entrevistado e entrevistador.


2) Resumo noticioso: apuração de dados importantes para a reportagem.


3) Frases do Entrevistado: informações colhidas durante uma conversa.


Tipos de Entrevistas e Temática



Ritual: o foco está na figura do entrevistado. Normalmente é uma celebridade ou personagem importante e que dificilmente dirá algo inusitado, a Entrevista serve para preencher um protocolo e registrar historicamente uma situação. Por exemplo: entrevista breve com jogadores de futebol.


Temática: se entrevista alguém que seja especialista em uma área do conhecimento e que irá satisfazer as dúvidas do público leitor. Dependendo da credibilidade do especialista, ele pode até desmistificar uma verdade aceita por todos e induzir o público a ter uma nova forma de pensar.


Testemunhal: é o relato do entrevistado sobre alguma situação do qual ele participou e que teve grande repercussão na mídia. Ele irá auxiliar a público a entender a profundidade da situação colaborando com impressões subjetivas sobre o evento ocorrido.


Em profundidade: tem por intenção apresentar um personagem importante pelas atividades que executa ou pela forma como se comporta socialmente. O objetivo é conhecê-lo em uma perspectiva profunda a ponto do leitor poder traçar um roteiro sobre a vida do Entrevistado, utilizando como base os depoimentos e impressões do personagem.




Situações de Entrevista




Ocasional: ela é interessante por não ser programada, assim o entrevistado pode não ter previsto a pergunta do entrevistador e responder algo sem cautela ou com muita sinceridade. Alguns entrevistados utilizam deste recurso para fazer declarações maliciosas e depois desdizê-las.


Confronto: tática comum em jornalismo panfletário. O entrevistador toma uma posição de julgamento e questiona o entrevistado de forma agressiva sem lhe dar “reais” condições de responder. Exige do entrevistado habilidade retórica e do repórter competência acusatória.


Coletiva: encontro marcado entre vários repórteres e o entrevistado, o foco está na celebridade ou algum evento do qual ela tenha recém participado. Este tipo de entrevista costuma bloquear o diálogo, pois as perguntas não são feita em cima da resposta do entrevistado, são pensadas antes da entrevista e tem por princípio deixar todos os repórteres fazer uma ou duas perguntas. O controle está mais na mão do entrevistado do que do entrevistador.


Dialogal: é marcada com data e hora, há colaboração mútua entre entrevistado e entrevistador. O espaço da entrevista é amigável e pretende ser desfazer a relação hierárquica entre os participantes. Ela aborda temas de forma profunda porque permite que o entrevistador faça perguntas em cima de uma resposta dada pelo entrevistado, ajustando o tom da conversa.



Habilidades do Entrevistador



Etapas da Entrevista: apresentar o entrevistado, iniciar a finalizar a entrevista, realizar perguntas importantes e organizar as informações no texto escrito transcrevendo as perguntas e respostas.


Perguntas: além de preparar algumas perguntas antes da entrevista, é preciso saber utilizar a resposta anterior para realizar novas perguntas, assim o entrevistado consegue discorrer melhor sobre um assunto que ele já domina, apenas precisa de auxílio para organizar a sua fala.


Comando da conversa: há entrevistados que são muito detalhistas e outros explicam tudo de forma muito holística. É importante que o entrevistador tenha comando da conversa para auxiliar o entrevistado a falar menos ou mais sobre um determinado tema.


Personalidades: quando o foco da entrevista está na personalidade e não no conteúdo, há que se considerar que esta personalidade seja simpática ou não. O entrevistador não pode mascarar estes traços da personalidade omitindo informações no texto escrito, deve ser fiel a realidade.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



Capítulo: Entrevistador e Entrevistado.
Obra: A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística.
Autor: Nilson Lange
Editora: Record, 2001.
Link Internet:




Este texto trata-se de um resumo da aluna Clarissa Ritta Mileski, do 3º ano do Curso de Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e Inglesa, Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE).


VÍDEOS DAS ENTREVISTAS



Angélica Entrevista Gisele Bündchenhttp://www.youtube.com/watch?v=dPXAANgwbx4
Irritando Fernanda Young Selton Mello 1http://www.youtube.com/watch?v=KiIKnlXKES8
Irritando Fernanda Young Selton Mello 2 http://www.youtube.com/watch?v=VK8kzEL9aRc&feature=related
Irritando Fernanda Young Selton Mello final http://www.youtube.com/watch?v=NvHwRbqJbkg&feature=related
Marília Gabriela Entrevista Jô Soares GNT Parte I http://www.youtube.com/watch?v=FHg_X6zqfxo&feature=related
Marília Gabriela Entrevista Jô Soares GNT Parte II http://www.youtube.com/watch?v=rrXpxXgAYrw&feature=related
Marília Gabriela Entrevista Jô Soares GNT Parte III
http://www.youtube.com/watch?v=M-OC39Jz_pc&feature=related
Marília Gabriela Entrevista Jô Soares GNT Parte IV
http://www.youtube.com/watch?v=je_LtVfr5ZM&feature=related
Marília Gabriela Entrevista Jô Soares GNT Parte V FIM
http://www.youtube.com/watch?v=97wBq1kAJxc&feature=related
http://books.google.com/books?id=0Fn9GQM_txIC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false




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DALTON TREVISAN




Entrevista fictícia, porém verssímel, realizada por Nelson de Oliveira e publicada na Folha de São Paulo, de 25/04/2004.




Apresentação:




O vampiro mais famoso do Brasil nasceu em Curitiba, em 14 de junho de 1925, cidade na qual vive até hoje. Diplomou-se pela Faculdade de Direito do Paraná e fundou uma das revistas literárias mais importantes da década de 40, a "Joaquim" (em homenagem a todos os joaquins do Brasil), recentemente reeditada em edição fac-similar pela Imprensa Oficial do Paraná. Seus primeiros contatos, cujo neo-realismo extrapola o mero registro dos conflitos sociais, foram.editados em folhetos que lembra muito a literatura de cordel. A partir de 1959, com a publicação das "Novelas Nada Exemplares",a sua obra passou a ter repercussão nacional. Depois vieram "Cemitério de Elefantes" (l964),"Morte na Praça (19640) e mais de duas dezenas de novos livros,sendo o mais recente "Arara Bêbada', recém-publicado. Sobre a sua literatura a opinião é unânime: Dalton Jérson Trevisan é tido hoje, pelos principais críticos, como o grande contista vivo da língua portuguesa. Dalton é famoso também por sua ojeriza à vida litetária. Sempre se recusa a participar de sessões de autógrafos ou mesas-redondas,jamais aceita dar entrevistas ou ser fotografado. Foi assim que ganhou a carinhosa alcunha de "vampiro de Curítiba", título de um de seus contos mais famosos .. O que pouca gente sabe é que esse escritor não é o misantropo que aparenta ser. Muito pelo contrário. Hoje viúvo, o Vampiro tem inúmeros amigos entre a gente simples de Curitiba, cujo cotidiano se entrelaça e se confunde com o da sua literatura; Ele costuma caminhar no mais antigo parque da cidade, o Passeio Público, em pleno centro, próximo de sua casa. Conversa com quase todo mundo na rua. Uma das confeitarias que freqüenta incluiu no cardápio a broa de fubá, um de seus pratos preferidos. Sobre a sua cidade natal, ele escreveu: "Fora dos meus livros, Curitiba.não existe. Essa cidade é pura ficção. Se existisse, nela teria que existir outro Dalton Trevisan. E esse novo Dalton teria, que fazer dia após dia o que eu faço até hoje: reinventá-la". Diferentemente de seus personagens mais marcantes, Dalton não bebe, não fuma, não freqüenta prostíbulos. Seu único vício é o mesmo de Nabokov: o xadrez, que pratica de domingo a domingo no Clube de Xadres de Curitiba ou sozinho em casa. A breve entrevista agora reproduzida, a primeira concedida pelo escritor após décadas de silêncio, só foi possível graças à paixão de Dalton por esse esporte. Ele com as brancas, eu com as, pretas. O acordo era: se eu vencesse, teria a minha entrevista, se perdesse, pararia de assediá-lo.
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- Sua recusa em dar entrevistas se deve à timidez ou ao puro jogo de marketing?
Não suporto responder perguntas. Detesto falar sobre os meus livros. Simplesmente porque perco a fala, paro de respirar. É verdade, sou arredio, sempre fui. Incuravelmente tímido. Um pouco menos com as loiras oxigenadas. Já está gravando?


- Já. Mas, me conte, como foi sua infância?
Eu gostava muito de jogar futebol. Mas, apesar disso, estava sempre agarrado aos livros. Coisa de família. Meu avô escrevia, meu pai escrevia, meus dois tios escreviam, os primos escreviam.


- Como foram as relações com os seus pais?
Distantes. É. Havia certo distanciamento entre eles e os filhos. Meu pai, por timidez, minha mãe, por temperamento. Mas nós tínhamos muita liberdade. O que eu não aprendi nos livros, aprendi na rua. Apesar de os meus pais serem católicos, não impuseram religião aos filhos. Na verdade, minha mãe era a falsa católica. Ela ia à missa aos domingos e pensava que tinha fé. Mas não tinha fé.


- Então sua infância foi feliz.
Só até o dia em que uma amiguinha foi atropelada. Isso me marcou muito. Nunca me esqueci, eu tinha seis anos. Foi o maior choque da minha vida. Meia hora antes ela estava brincando com agente. Depois minha mãe explicou que ela não ia voltar mais. Eu olhava para a bicicleta da minha amiga e não entendia. A menina tinha acabado para sempre.


- Quais os livros que o marcaram?
Quando estudava direito, lia muito Graciliano Ramos. Depois descobri o Newton Sampaio, que me mostrou outro caminho. O Newton foi o maior contista do Paraná. Morreu jovem, aos 25. Hoje só leio Machado de Assis. Leio e releio. Não me interessam os outros.


- O sr. é um dos escritores mais lidos do Brasil, isso há décadas. Tem conseguido viver só dos direitos autorais?
Sim. Mas modestamente. Não tenho luxos. Sou viúvo. Não tenho escritório nem secretária nem Vícios caros. Moro nesta casa há 40 anos. Nunca foi reformada, como pode ver. Tem gente que acha que fiquei rico com os meus livros. Vêm aqui, torram a minha paciência, pedem dinheiro emprestado. Ficam espantados porque não moro numa cobertura com piscina. Já ganhei muito dinheiro. Mas queimei tudo. Com uísque, baralho e mulher. Principalmente com mulher. Isso quando era casado. Hoje não.


- Como conseguiu publicar seu primeiro livro?
Não foi difícil. O livro era muito ruim, por isso achei editor rapidinho. Foi bem antes da criação da "Joaquim". Pouca gente conhece esse livro, "Noites de Insônia". Nessa época eu só escrevia poesia. Foi em 45 ou em 46, não me lembro. Procurei o crítico que eu mais admirava, o Temístocles Linhares. Eu estava angustiado. Queria que ele me dissesse se os poemas valiam alguma coisa. Ele leu e depois mandou o original ao José Olympio. Mandou sem me avisar. Uma noite, eu estava olhando a vitrina de uma livraria e levei o maior susto. O meu livro estava lá.


- O escritor Jamil Snege, também curitibano, conta nas memórias dele que o sr. passou muito tempo recuperando e destruindo os exemplares dos seus primeiros livros.
Besteira. O Turco sempre foi de exagerar as coisas. Cerca de 90% do que ele escreveu nesse livro é invenção. Nunca roubei meus próprios livros das bibliotecas. Muito menos da casa dos amigos, como ele disse. Eu pedia emprestado, isso sim. Não devolvia mais, quimava. Mas não roubava.


- O sucesso de uma obra depende de quê? De quem?
Do acaso. Do acidente. Nunca entendi direito isso. Não basta escrever bem. Não basta a qualidade. O sujeito tem que ter também muita sorte.
- Como o sr. vê a literatura que está sendo feita hoje?
Não vejo, fiquei cego. Gosto dos poetas. Gosto dos poemas do Chico Alvim. Tem tudo a ver comigo. Os novos? Quase não leio. Não me interessam. A grande época da literatura brasileira já vai longe. Já passou.


- E os autores da sua geração? José J. Veiga, Osman Lins, Rubem Fonseca?
Dos três, só o Rubem ainda está vivo e escrevendo. Mas não leio. Desisti. Também desisti de tentar acompanhar a moçadinha que veio depois. Não vale a pena. Recebo muito livro, que deixo de lado. Dou de presente. Ou deixo no sebo dos amigos. Nem sei se devia dizer isso, porque vai ser finalmente publicado. Muita gente vai ficar magoada comigo.


- Hoje o sexo e a violência têm grande presença na literatura. Graças ao sr. e a Rubem Fonseca.
Mas os jovens não entenderam nada. Escrevem pornografia, quando deviam se dedicar ao erotismo. No mundo todo há a grande literatura erótica, que é bela. Nela o sexo é importante. A pornografia não me interessa. Nem a violência gratuita, banal. Não vamos misturar alhos com bugalhos, Machado com Eça de Queiroz.


- O sr. escreve à máquina ou no computador?
Escrevo à mão, depois datilografo. Não tenho e nunca terei computador.


- Há momentos ideais para escrever?
De madrugada. Nunca fui de dormir cedo, gosto do silêncio. Mas também, quando a idéia vem, anoto tudo em papelinhos. Isso acontece quando estou na rua. Ou no vegetariano onde almoço. Ou no supermercado. Meus melhores contos nasceram na fila do baco, tão cheia de joões e marias.


- O sr. escreve regularmente ou costuma trabalhar por turnos?
No início, eu escrevia todos os dias. Escrevia com raiva. Religiosamente. Burocraticamente. Foi assim até A Polaquinha, meu primeiro e único romance. Depois parei com essa mania. Só escrivão escreve todo dia. Só burocrata escreve com raiva, revolta, indignação. Hoje escrevo quando dá vontade, com ternura. Às vezes fico semanas sem pegar na caneta. É claro que com o passar do tempo vou ficando angustiado. Preocupado. Será que morri? Eu me apalpo, me cheiro. Não, ainda estou vivo. Ponho a cara pra fora da janela, escuto a cidade. Berro: "Estou pronto! Mova-se mundo". Fico atento à gentinha no ponto de ônibus, no bar da esquina. Aí as idéias vêm aos montes. Até me assusto. Fico com os pêlos dos braços arrepiados.


- A crítica sempre o tratou muito bem. Quando escreve, o sr. se preocupa em não desapontá-la?
Quando escrevo, me preocupo com muitas coisas. Mais com a posição das vírgulas e dos pontos do que com a crítica e os leitores. Quando escrevo, eu penso em tudo. A maneira de pensar em tudo é que varia. Você sabe, todos sabem: minhas figurinhas são de carne e osso. Existem de verdade. Estão lá fora, trabalhando, comendo, dormindo. Às vezes sou ameaçado, porque fulano ou beltrano não gostaram de se ver num conto meu. Então fico sem aparecer na praça duas, três semanas. Isso me preocupa.


- Dos livros que escreveu qual é o seu predileto?
Arara Bêbada. Esse que a Record está lançando. Meu melhor livro é sempre o último que escrevi. Não gosto muito dos primeiros. Se pudesse, mudava tudo neles. Como também detesto reler conto antigo, deixo tudo como está. Sou um revisor compulsivo, mas só até o livro ser publicado. Antes de mandar para a editora, refaço dez, 20 vezes o mesmo conto. Não descanso nunca, é um inferno. Até publico alguns por conta própria.


- Os famosos caderninhos.
Os tais caderninhos. Os cordéis. De papel vagabundo mesmo. Papel de jornal Mando aos amigos, deixo nas livrarias. Na do Chain, principalmente. Só para testar. Só para ver se os contos funcionam.


- Como o sr. se vê como escritor. Conseguiria traçar seu auto-retrato?
De jeito nenhum. Eu jamais me vejo. Detesto espelhos.


- Como o sr. se sente dentro da literatura brasileira contemporânea?
Bastante isolado. DesconfortáveI. Não gosto de escritores. São vaidosos, pedantes. As suas intriguinhas de província me aborrecem. Acham que merecem o NobeI. Também não gosto dos leitores. Pelo menos não dos mais fanáticos, dos imbecis que vêm me encher o saco. Querem conversar sobre os meus livros, querem autógrafos, querem escrever teses sobre mim. Odeio os professores de literatura, os críticos.


_________________ Nelson de Oliveira é escritor, autor de, entre outros. O filho do crucificado (Ateliê Editorial)








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Produção textual 1: entrevista ficcionais
Tema: escritores do Modernismo brasileiro (pesquisa sobre vida e obra dos autores, formulando possíveis perguntas e respostas)
Turma: alunos do 3os anos


Produção textual 2: entrevista
Tema: Rio Cachoeira - Memória Viva
Entrevistar antigos moradores do bairro Costa e Silva ou ambientalistas para falarem sobre o Rio Cachoeira.
Turmas: alunos dos 2os anos

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Intertextualidade


A expressão intertextualidade se refere, basicamente, à influência de um texto sobre outro. Na verdade, em diferentes graus, todo texto é um intertexto, pois, ao escrever, estabelecemos um diálogo - às vezes inconsciente, às vezes não - com tudo o que já foi escrito. Assim, cada texto é como um elo na corrente de produções verbais; cada texto retoma textos anteriores, reafirmando uns e contestando outros.

Quando a intertextualidade é intencional, ela pode se manifestar em diferentes níveis. Vejamos cada um deles:

· Epígrafe: é um fragmento de texto que serve de lema ou divisa de uma obra, capítulo, ou poema. Costuma existir um vínculo entre a epígrafe e o texto que vem abaixo dela; nesses casos, a epígrafe dá apoio temático ao texto - ou resume o sentido, a motivação dele. Massaud Moisés observa que o exame atento das epígrafes pode "nos fornecer uma ideia da doutrina básica de um poeta ou romancista, o seu nível intelectual etc.".

· Citação: é a frase ou passagem de certa obra que um autor reproduz (com indicação do autor original) como complementação, exemplo, ilustração, reforço ou abonação daquilo que ele pretende dizer ou demonstrar.

· Alusão: é toda referência, direta ou indireta, propositada ou casual, a certa obra, personagem, situação etc., pertencente ao mundo literário, artístico, mitológico etc. No geral, a alusão insere a obra que a contém numa tradição comum julgada digna de preservar-se. Camões, por exemplo, ao dizer, em Os Lusíadas, "cessem do sábio Grego e do Troiano / As navegações grandes que fizeram", alude a Ulisses (herói da Odisséira) e Eneias (herói da Eneida).

· Paráfrase: é a interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto (ou parte dele) com o objetivo de ou torná-lo mais inteligível ou sugerir um novo enfoque para o seu sentido. Veja, por exemplo, o poema abaixo, de Carlos Drummond de Andrade, no qual o poeta parafraseia o poema "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias:



Europa, França e Bahia
Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo.
Os cais bolorentos de livros judeus
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.


O pulo da Mancha num segundo,
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas.
Tarifas bancos fábricas trustes craques.
Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas
[formam um tapete para Sua Graciosa Majestade Britânica pisar. E a lua de Londres
como um remorso.
[...]
Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!


· Paródia: trata-se de uma composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema ou/e a forma de uma obra séria. O intuito da paródia consiste em ridicularizar uma tendência ou um estilo que, por qualquer motivo, se torna conhecido ou dominante. Como exemplo, o poema "Canto de Regresso à Pátria", de Oswald de Andrade, que parodia a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias:



Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá


Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra


Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá


Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo


· Tradução: traduzir consiste em passar um texto (ou parte dele) escrito numa determinada língua para o equivalente em outra língua. Na opinião de alguns estudiosos, a tradução pode ser estudada no âmbito da intertextualidade, pois é uma forma de recriação a partir de um texto-fonte.


· Pasticho (ou pastiche): imitação servil e grosseira de uma obra literária.



Fonte
Dicionário de termos literários, Massaud Moisés, Editora Cultrix, 7ª edição, SP.




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Exercícios de releitura a partir do texto: "Poema de sete faces" de Carlos Drummond de Andrade

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

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Releituras

 


LET'S PLAY THAT
                    Torquato Neto (musicado por Jards Macalé)


Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes



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ATÉ O FIM
Chico Buarque de Hollanda



Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim


Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim



Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou
Mas vou até o fim


Como já disse, era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Do LP Chico Buarque - Polygram, 1978

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COM LICENÇA POÉTICA

Adélia Prado
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.
 



Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.


Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.Minha tristeza não tem pedigree,

In Adélia Prado, Poesia Reunida
Siciliano, São Paulo, 1991