Vinte e uma coisas que aprendi como escritor
APRENDI que escrever é basicamente contar histórias, e que os melhores livros de ficção que li eram aqueles que tinham uma história para contar.APRENDI que o ato de escrever é uma sequela do ato de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor as nossas próprias palavras.APRENDI que, quando se começa, plagiar não faz mal nenhum. Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros. Não se incomodaram com isto. E copiar me fez muito bem.APRENDI que, quando se começa a escrever, tinha de escrever. Não adiantava só ficar falando de como é bonito escrever; eu tinha mesmo de enfrentar o trabalho braçal (e glúteo) de sentar e trabalhar.APRENDI que uma boa ideia pode ocorrer a qualquer momento: conversando com alguém, comendo, caminhando, lendo (e, segundo Agatha Christie, lavando pratos).APRENDI que uma boa ideia é realmente boa quando não nos abandona, quando nos persegue sem cessar. O grande teste para uma ideia é tentar se livrar dela. Se veio para ficar, se resiste ao sono, ao cansaço, ao cotidiano, é porque merece atenção.APRENDI que aeroportos e vares são grandes lugares para se escrever. O var, por razões óbvias; o aeroporto, porque nele a vida como que está em suspenso. Nada como uma existência provisória para despertar a inspiração literária.APRENDI que as costas do talão de cheque é um bom lugar para anotar ideias (é por isso que o escritor tem de ganhar a grana suficiente para abrir uma conta bancária). O guardanapo do restaurante também serve, desde que seja de papel e não de pano.APRENDI que não dá para usar um gravador como forma de registrar textos. A nossa voz sai de outro compartimento, que nada tem a ver com a palavra escrita.APRENDI que o computador é um grande avanço no trabalho de escrever, mas tem um único inconveniente: elimina os originais, os riscos, os borrões, e portanto a história do texto, a qual – como toda história – pode nos ensinar muito.APRENDI que a mancha gráfica representada pelo texto impresso diz muito sobre este mesmo texto. As linhas não podem estar cheias de palavras; o espaço vazio é tão eloquente quanto o espaço preenchido pela escrita. O texto precisa respirar, e quando respira, fica graficamente bonito. Um texto bonito é um texto bom.APRENDI a rasgar e jogar fora. Quando um texto não é bom, ele não é bom – ponto. Por causa da autocomiseração (é a nossa vida que está ali!) temos a tentação de preserva-lo, esperando que, de forma misteriosa, melhore por si. Ilusão. É preciso ter a coragem de se desfazer. A cesta de papel é uma grande amiga do escritor.APRENDI a usar a gaveta. Mesmo os melhores textos, como os melhores vinhos, beneficiam-se de um período de maturação. Precisamos lê-lo com olhar diferente. E nada como o tempo para isto.APRENDI a não ter pressa de publicar. Já se ouviu falar de muitos escritores batendo, aflitos, à porta dos editores. O que é mais raro, muito mais raro, são os leitores batendo à porta do escritor.APRENDI a não reler meus livros. Um livro tem existência autônoma, boa ou má. Não precisa do olhar de quem o escreveu para sobreviver.APRENDI que, como escritor, um livro é como um filho, mas que é preciso diferenciar entre filhos e livros.APRENDI que terminar um livro se acompanha de uma sensação de vazio, mas que o vazio também faz parte da vida de quem escreve.APRENDI que há uma diferença entre literatura e vida literária, entre literatura e política literária. Escrever é um vício solitário.APRENDI a diferenciar entro o verdadeiro crítico e o falso crítico. O falso crítico não está falando do que leu. Está falando dos seus próprios problemas.APRENDI que, para um escritor, frio na barriga ou pêlos do braço arrepiados são um bom sinal: um livro vem vindo aí.SCLIAR, Moacyr. In: Blau – Jornal bimestral de literatura, Porto Alegre, n. 5, agosto de 1995.
Atividade
Assunto: Intertextualidade
O plágio é uma prática intertextual considerada criminosa, porém Scliar tem uma outra visão deste ato. Sobre o ato de plagiar, referido no texto, é correto afirmar que:
a) os escritores sempre começam a escrever plagiando.
b) os autores Lobato e Viriato Correa também plagiaram.
c) o ato de plagiar fez bem ao autor do texto.
d) os escritores gostam de ser plagiados.
Segundo o texto, o trabalho do escritor só não depende:
a) da observação do cotidiano.
b) do esforço árduo.
c) da maturação das idéias.
d) dos vícios adquiridos.
De acordo com Scliar, as ideias realmente boas só não podem:
a) ser abandonadas
b) ser provisórias
c) ocorrer a qualquer instante
d) ocorrer em qualquer lugar
Metalinguagem
A metalinguagem também é um recurso comumente utilizado na Literatura. Assim, o texto lido não foge à regra, é metalinguístico. Marque a alternativa que não atesta esta característica:
a) “O grande teste para uma ideia é tentar se livrar dela.”
b) “APRENDI que o ato de escrever é uma sequela do ato de ler.”
c) “Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros.”
d) “eu tinha mesmo de enfrentar o trabalho braçal (e glúteo) de sentar e trabalhar.”
Produção textual: releitura
Aproveite das ideias de Moacyr Scliar e escreva uma crônica a partir de uma das sugestões abaixo:
10 coisas que aprendi como estudante.
10 coisas que aprendi com o meu chefe.
10 coisas que aprendi com o amor.
10 coisas que aprendi como torcedor fiel.
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