sábado, 7 de julho de 2012

Num monumento à aspirina X Hino à dor

 TEXTO I

Num monumento à aspirina
(João Cabral de Melo Neto)

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre um claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.

Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.

1 - Sobre o poema de João Cabral de Melo Neto, pode-se afirmar que:
(A)apresenta uma dimensão metalinguística, porque vislumbra em seu objeto-tema os valores que guiam sua escrita – e toda a poética do autor – , como o “acabamento esmerado”, a forma “sucinta” e o pensamento “cartesiano”;
(B) remete diretamente a dois temas centrais da poética do autor: Recife e Sevilha, cidades que encerram valores como a racionalidade e a construção, expressos pela solaridade da “aspirina”;
(C) nega a saúde “artificial” que se conquista através da “aspirina” e, conseqüentemente, combate a idéia de uma poesia baseada apenas na “aparência” – questão central em toda a poética de João Cabral de Melo Neto;
(D)retoma o drama barroco claro/escuro, mantendo-se na tensão entre estes pólos, e a poesia, nesse sentido, assemelha-se à “aspirina”, que, inutilmente, tenta expulsar a “noite” com seu sol “portátil”;
(E) nega a linguagem poética convencional, eloquente e apegada a uma visão cientificista do real, cujo exemplo mais acabado seria a poética de Augusto do Anjos.

2 - Quanto ao título do poema de João Cabral, pode-se afirmar que:
(A)nega o ideal modernista, que buscava valorizar as coisas simples e cotidianas;
(B) constitui uma homenagem à poesia romântica, voltada para a valorização da natureza;
(C) nega os valores da poesia voltada para a natureza, ao propor a imagem de um “sol artificial”;
(D)faz uma crítica à poesia que homenageia seres e coisas sem importância, como a “aspirina”;
(E) desmonta as expectativas de homenagem a seres, coisas e fatos de grande valor histórico e/ou social.

3 - O poema “Num monumento à aspirina” apresenta reiteradamente o sinal de pontuação “dois pontos”. A respeito do uso desse sinal no texto, pode-se afirmar que:
(A) está empregado em desacordo com a escrita padrão por estar reaplicado dentro do mesmo período, o que acarreta um valor antitético;
(B) reaplicado dentro do mesmo período, nos primeiros versos de cada estrofe, traz um efeito de inclusão de idéias e assume certo valor explicativo, ao desdobrar o conteúdo anterior;
(C) não assume qualquer valor explicativo, já que constitui um recurso meramente estilístico, muito recorrente na obra de João Cabral de Melo Neto;
(D) reaplicado dentro do mesmo período, nos primeiros versos de cada estrofe, indica uma enumeração de elementos, introduzindo uma seqüência de metáforas;
(E) reaplicado dentro do mesmo período, nos primeiros versos de cada estrofe, traz um efeito de enumeração de elementos e assume valor conotativo, ao desdobrar o conteúdo anterior.

4. A respeito dos elementos que compõem a estrutura do período que se inicia no 5º verso do poema, pode-se afirmar que:
(A)os pronomes relativos “que” empregados nos versos 6 e 7 referem-se ao “sol” de que trata o poema e exercem o papel de sujeito;
(B) o período é constituído de uma oração explicativa que, por sua vez, contém três orações substantivas encaixadas;
(C) o sujeito dos verbos “levanta” e “vem” (verso 10), que não está explícito, tem por referência o “sol de um comprimido de aspirina”;
(D)os pronomes relativos “que” empregados nos versos 6 e 7 referem-se ao “dia” e exercem o papel de objeto direto;
(E) o sujeito dos verbos “levanta” e “vem” (verso 10) está explícito (“sol artificial”).


TEXTO II

Hino à dor
(Augusto dos Anjos)

Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam...

És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tato
Prendo a orquestra de chamas que executas...

E, assim, sem convulsão que me alvoroce,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!

5 - Quanto aos termos técnico-científicos usados no poema de Augusto dos Anjos, pode-se afirmar que:
(A)apontam uma visão cientificista da vida e sugerem que a própria poesia – tendo em vista a dolorosa existência humana – pode ser reduzida a um fenômeno biológico;
(B) emprestam ao poema uma perspectiva naturalista que exclui o homem de qualquer dimensão cósmica;
(C) embora sejam tradicionalmente prosaicos, no poema ajudam a exprimir uma totalidade – física, química, biológica – em que a dor se confunde com a existência humana;
(D)demonstram entusiasmo com a explicação cientificista da existência, daí resultando um otimismo que acaba por converter a poesia numa espécie de “ufanismo” eloquente;
(E) sugerem a falência da linguagem científica como explicação única da existência humana.

6 - Uma interpretação da imagem “claridades absolutas”, no último verso do poema de Augusto dos Anjos, leva-nos à seguinte consideração:
(A)surge como prêmio final, ou seja, como uma metáfora da morte;
(B) sugere a estreiteza do universo interior do sujeito poético, em oposição à amplidão da dor;
(C) é uma metáfora que aponta o ideal clássico de poesia, segundo o qual esta resultaria da compreensão racional do universo;
(D)aponta uma espécie de lucidez embutida na própria dor, tendo em vista que esta leva a um entendimento radical da verdade humana;
(E) é uma paródia da poesia soturna do romantismo, sobretudo a da primeira geração.

7 - Quanto à posição de Augusto dos Anjos no quadro histórico da poesia brasileira, é correto afirmar que:
(A)tendo em vista a linguagem original do poeta, sua postura existencial e seu pendor para a dessacralização da poesia, não é possível inseri-lo simplesmente na estética pré-modernista, sendo mais correto entendê-lo como um poeta modernista;
(B) a simples inserção histórica do poeta nos quadros do Parnasianismo ou do Simbolismo parece inadequada, visto que sua procura pelo infinito na matéria e a frustração de não encontrá-lo no que é efêmero empresta à sua poética dimensão mais propriamente romântica;
(C) considerando que sua poesia está voltada para os temas da miséria da carne e da putrefação e que sua linguagem é baseada no materialismo evolucionista, pode-se dizer que o poeta está inteiramente integrado à escola naturalista;
(D)se a postura existencial do poeta o aproxima da frieza parnasiana e do ideal de observação positiva preconizado pelo cientificismo naturalista, o impulso de fundar uma literatura brasileira aproxima-o da literatura pré-modernista;
(E) não basta considerar os temas da miséria da carne e da putrefação e a linguagem baseada no materialismo evolucionista; é preciso ter em conta a poesia amorosa de Augusto dos Anjos, que o situa numa perspectiva romântica.

8 - Ao comparar os poemas de João Cabral de Melo Neto e de Augusto dos Anjos, identifica-se a seguinte semelhança:
(A)linguagem original, vocabulário exótico, rebuscado, científico, que acentua o caráter angustiante do pessimismo cósmico;
(B) linguagem “desmetaforizada”, o que cristaliza o desejo de superação da dor por meio da ciência;
(C) imagens e metáforas em que a própria poesia é questionada como instrumento de superação da dor;
(D)paródia dos ideais parnasianos de distanciamento e descrição objetiva, com conseqüente superação da dor por meio da subjetividade;
(E) vocabulário e imagens que, na tradição literária, de modo geral, são despidos de qualquer valor poético.

9 - Os poemas de João Cabral de Melo Neto e de Augusto do Anjos apresentam imagens ligadas à claridade. Com relação ao uso dessas imagens nos dois textos, analise as afirmativas a seguir:
I. Enquanto o poema de Cabral faz o elogio de uma luz artificial, que vence a dor, o de Augusto dos Anjos faz o elogio de uma luz que emana da própria dor.
II. Enquanto no poema de Cabral a claridade é uma metáfora da natureza humana, no de Augusto dos Anjos ela é material, real.
III. Enquanto no poema de Cabral a claridade é material, real, no de Augusto dos Anjos a luz é uma metáfora da natureza humana.
IV. Enquanto no poema de Cabral a luz está ligada ao fim da dor, no de Augusto dos Anjos a luz está na própria dor.
V. Enquanto o poema de João Cabral fala de uma dor objetiva, concreta, o de Augusto dos Anjos fala de uma dor abstrata, sem qualquer conotação física.

Assinale a alternativa correta:

(A)apenas a afirmativa III está correta;
(B) as afirmativas I, II e IV estão corretas;
(C) apenas as afirmativas I e IV estão corretas;
(D)apenas as afirmativas I e III estão corretas;
(E) apenas as afirmativas II e IV estão corretas.

10 - A respeito do “diálogo” que se estabelece no poema de Augusto dos Anjos, pode-se afirmar que:
(A)o eu-lírico se dirige ao leitor, já que, além do uso de pronomes e verbos na 2ª pessoa do singular, a função exercida pela palavra “dor” no primeiro verso jamais poderia ser a de vocativo;
(B) o eu-lírico se dirige à dor, o que pode ser comprovado pela presença de adjetivo feminino, de pronomes e verbos na 2ª pessoa do singular – procedimentos que não possibilitam atribuir a função de vocativo à palavra “dor” no primeiro verso do poema;
(C) o eu-lírico se dirige à dor, o que pode ser comprovado pela presença de adjetivo feminino, de pronomes e verbos na 2ª pessoa do singular – procedimentos que possibilitam atribuir a função de vocativo à palavra dor no primeiro verso do poema;
(D)o eu-lírico se dirige à própria dor, o que pode ser comprovado pela presença de adjetivo feminino, de pronomes e verbos na 2ª pessoa do plural – procedimentos que possibilitam atribuir a função de vocativo à palavra dor no primeiro verso do poema;
(E) o eu-lírico se dirige à própria dor, o que pode ser comprovado pela presença de adjetivo masculino, de pronomes e verbos na 2ª pessoa do singular.

Fonte: http://alub.com.br/mundoalub/alub_pre/documentos/pdf/PROVA-1D.pdf

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